Receita Federal pressiona empresas que usaram benefício fiscal de ICMS.

    A Receita Federal aumentou a pressão sobre empresas que recebem incentivos fiscais de ICMS e reduziram esses valores do cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL nos últimos anos. Duas levas de notificações já foram disparadas – e, a mais recente, segundo advogados, em tom mais duro. Cerca de 500 grandes empresas estão na mira do Fisco.

    Essas notificações são tratadas, internamente, como o último aviso para o contribuinte regularizar a situação de forma espontânea. O próximo passo contra quem continuar em situação irregular, na visão do órgão, serão as fiscalizações e, posteriormente, as autuações – com multa de 75% sobre os valores devidos.

    Só no ano de 2021 foram registrados R$ 120 bilhões em exclusões nas apurações de tributos federais, de acordo com a Receita Federal.

    A recuperação desses valores chamados de subvenções é uma das prioridades para a fiscalização. A equipe econômica vê o assunto como essencial para aumentar a arrecadação e cumprir a meta de zerar o déficit primário do governo central no ano que vem.

    A briga entre o Fisco e as empresas que recebem benefícios de ICMS vem de longa data, mas ficou muito mais acirrada no primeiro semestre deste ano, depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o tema com efeito vinculante para todo o Judiciário.

    A projeção da Fazenda com esse julgamento era arrecadar cerca de R$ 90 bilhões, segundo declarações do ministro Fernando Haddad. Já a Receita Federal indicava na Lei de Diretrizes Orçamentárias um impacto de R$ 47 bilhões.

    A Receita enviou uma primeira leva de notificações – para 5 mil contribuintes – no mês de maio, poucos dias após o julgamento, mas antes de a decisão ser publicada. A questão foi tratada de forma mais abrangente e as notificações constaram como uma espécie de “convite” à autorregularização. A avaliação, no entanto, é de que não surtiu efeito.

    Nessa segunda leva foi considerada a relevância do total de exclusões do IRPJ e da CSLL. São contribuintes de diferentes setores que se beneficiaram de altas quantias. Está bem mais direcionada do que da primeira vez.

    “Estamos convictos de que, nesses casos, houve redução indevida de valores. Total ou parcial”, diz um interlocutor da Fazenda.

    Em nota enviada à reportagem, a Receita Federal informou que 60% das cerca de 500 empresas que receberam as notificações na segunda leva já procuraram o órgão, “o que está sendo tratado pela área técnica”.

    Além de solicitar informações e documentos contábeis, a Receita Federal abre para os contribuintes, nessas notificações, qual é a sua interpretação do julgamento do STJ – que, agora, já tem decisão publicada.

    Esse ponto, especificamente, está sendo muito criticado por advogados de contribuintes que tiveram acesso às notificações. Os profissionais acusam o Fisco de distorcer o que ficou decidido.

    A Receita Federal diz, basicamente, que só existe garantia de não tributação para o crédito presumido (uma modalidade específica de benefício de ICMS). Todos os demais estão sujeitos a uma análise criteriosa com base nos requisitos previstos no artigo 10 da Lei Complementar nº 160, de 2017, e no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014.

    Dentre esses requisitos “está a ocorrência de efetivo benefício tributário decorrente da norma estadual que concedeu o benefício”.

    O que a Receita quer dizer é que em casos como isenção, redução de base de cálculo ou de alíquota, por exemplo, o benefício fiscal não é dirigido ao vendedor da mercadoria e sim ao destinatário, que, em muitas operações, é o consumidor final.

    “Essa é a diretriz para o auditor, no momento das fiscalizações, que vai se debruçar sobre os livros da empresa e verificar o que aconteceu com o benefício”, diz uma fonte. “Foi destinado para investimento? Foi distribuído como lucro de maneira disfarçada? Ou foi repassado totalmente para o adquirente do produto?”, detalha.

    Toda essa discussão entre Fisco e contribuintes envolve os valores que as empresas deixam de repassar aos cofres estaduais. Uma companhia que devia R$ 100 mil de ICMS, mas por ter direito à redução de base, por exemplo, pagou somente R$ 60 mil. A diferença – de R$ 40 mil – pode ser tributada pela União?

    O STJ decidiu, em 2017, que créditos presumidos de ICMS não podem ser tributados. A explicação é que, se tributar, a União esvazia um benefício concedido por Estados, o que viola o pacto federativo.

    Daí vem a discussão atual: esse mesmo entendimento pode ser aplicado aos demais tipos de benefícios concedidos pelos Estados?

    No julgamento do mês de abril, o STJ respondeu que não. Mas os ministros afirmam que a União precisa considerar – para exigir ou não os tributos – os requisitos estabelecidos no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014, que vem causando divergência de interpretação. A Fazenda estuda, inclusive, uma alteração legislativa.

    Os contribuintes apresentaram embargos de declaração à Corte. Pedem aos ministros a aplicação da modulação de efeitos, para que a decisão tenha validade somente para o futuro, e solicitam esclarecimentos sobre a forma como as empresas podem usar os recursos contabilizados em reserva.

    A Receita Federal, por outro lado, se coloca na posição de colaboradora por expor o seu entendimento e dar a chance de o contribuinte pagar os valores ao governo de forma espontânea, sem multa. “Queremos evitar litígio. O contribuinte que não quiser pode contestar administrativamente e, depois, judicialmente”, diz um interlocutor da Fazenda. “Mas precisa estar ciente de que serão anos de discussão e dinheiro gasto com advogado”, conclui.

     

    Fonte: Valor Econômico.